terça-feira, julho 3

Armadilha para a Classe Média

Hoje a gente compra aborrecimentos. Paga caro por bobagens que não servem pra absolutamente nada e que só nos causam dor de cabeça quando surge um problema. Ontem estourou o pneu do carro; não foi um furo, foi um estouro mesmo - uma cratera no meio da rua e um rasgo que atingiu a borracha de fora a fora. E aí, para o acostamento providenciar a troca. E lá ficamos nós dois decifrando a logística da coisa. O estepe fica em baixo do carro - por já ter sido roubado duas vezes colocamos uma corrente para evitar uma nova ocorrência - aí, o primeiro passo é abrir o cadeado, tirar a corrente (claro que na época em que o estepe ficava dentro do carro nada disso era necessário - e ao que me lembre, o espaço interno não era tão menor assim), pra depois baixar a bandeja e tirar o pneu. Pra isso, há um mecanismo no porta malas, uma chave própria, a gente tem que tirar a proteção de um parafuso que baixa a tal da bandeja. Minutos até achar o tal mecanismo, até achar a chave correta - aí, depois de baixar, tem que ir lá embaixo, deitar debaixo do carro (sim, não tem outro jeito) e soltar a tal bandeja com a mão pra tirar o estepe (como essa parte fica em baixo do carro, o fabricante não se preocupou em fazer nada com acabamento muito bom não - afinal, o que conta pra classe média compradora de carro é a aparência, o que fica lá em baixo pode ser feito e acabado de qualquer jeito).

Estepe retirado, é hora de remover o pneu estourado. Macaco, chaves, tudo embutido, com mecanismos superengenhosos no porta malas. Tem que soltar um parafusinho daqui, desencaixar uma lingueta dali, e ir tirando as ferramentas, que se escondem uma por trás das outras, cada uma com seu lugarzinho certinho de encaixe - uma beleza quando a gente está irritada, no meio da rua, à noite, no ermo, morrendo de medo de ser assaltada. Bom, vamos lá - tiramos macaco, chave de roda, tudo... agora temos que soltar o pneu rasgado - cadê os parafusos? Embaixo da calota, claro... e como tirar a calota? Mais minutos procurando um jeito de soltar a peça de plástico lisa, aparentemente impenetrável. Muito tempo depois, a constatação de pequeno furinho no canto, e mais um tempo pra descobrir que havia uma outra chavinha, minúscula, também presa por meio de uma engenhoca em um canto escondido do porta mala que deveria ser inserida no furinho pra soltar a maldita. Depois disso, a operação normal de soltar parafusos, trocar o pneu, apertar bem, tirar o macaco, etc... e agora, toca a guardar tudo de novo - prender as chaves no lugar correto - só há uma maneira única de encaixar cada peça em seu devido lugar, aperta as engenhocas todas de novo, deita embaixo do carro de novo, prende a tal da bandeja no mecanismo, pega a chave pra subir o mecanismo por dentro do porta mala, e finalmente, tudo ok.

Tempo pra trocar o pneu propriamente dito - 3 minutos. Tempo pra lidar com a parafernália toda do carro, vendida como alta tecnologia - uns 20. Lembramos de quando tínhamos o Golzinho antigo - era só levantar o carpete do porta mala que estava tudo lá - estepe, macaco e chave (uma chave só, que servia pra tudo). Quando tinha calota, os parafusos apareciam por fora dela, e em minutinhos e sem esforço e stress nenhum a gente trocava um pneu.

E as montadoras fazem isso e vendem como sendo itens diferenciados, como se fossem vantagens, como se isso fizesse alguma diferença pra melhor pro feliz proprietário do veículo. É um engodo para a classe média, uma armadilha - e o pior é que a gente nem tem opção. A cada novo modelo, em todas as marcas, uma nova bobagem é incorporada, não é algo que possamos recusar. Algo que mais cedo ou mais tarde, vai te custar caríssimo pra manter, vai te causar uma dificuldade enorme, vai te deixar na mão, porque a peça exclusivíssima está em falta no estoque, alguma coisa assim.

Ontem fomos dormir pensando em como seria bom poder viver sem carro, nos valendo somente do transporte coletivo. Ou, mesmo tendo carro, como seria bom se tivéssemos ruas minimamente conservadas que não causassem um estrago desses para os transeuntes desavisados. E como seria bom se os consumidores não fossem tratados como idiotas o tempo todo. Seria bom, né.

2 comentários:

Rose Foncée disse...

Meu fiel "eca" de estimação. Sempre o primeiro a dar as caras.. hehehe.

Saulo disse...

Pensa que, pelo menos, os leitores que mandam o "eca" se deram o trabalho de ler o post e perder o seu tempo marcando o quadradinho. É um pouco a lógica do "falem mal, mas falem de mim".rsrs