quarta-feira, junho 15

O espaço gourmet que não vai ser meu


O valor é simplesmente astronômico. É muito mais do que eu poderia supor que se pudesse pedir por um apartamento de 60 m² na planta. Não, não tem vista para o mar, nem para o lago, nem para as montanhas, nem para o Palácio de Buckingham, a localização, muito embora seja excelente, não é “nobre”, nem luxuosa. Uma área de classe média, valorizada, bem servida de comércio e serviços, próxima ao centro da cidade. E só isso. O corretor fala de centenas de milhares de reais, como se estivesse falando de centavos (muitas centenas, é importante frisar, muitas centenas...).

O prospecto avisa que é um apartamento de dois quartos. Ao olhar bem para a planta, vamos percebendo, Cheri e eu, que algumas paredes estão desenhadas em cinza e outras em preto. Logo nos explicam que as paredes cinzas não serão erguidas pela construtora. Trata-se de uma sugestão de divisão para o imóvel, que os compradores teriam que levantar por contra própria se desejarem, contratando um arquiteto, etc – traduzindo: o que nos seria entregue seria praticamente uma caixa vazia, com instalações elétricas e hidráulicas básicas. É claro que eu sempre soube que a gente compra apartamentos na planta meio vazios mesmo, só com o acabamento mínimo, mas agora já começam a entregar os apartamentos sem paredes internas, e têm o descaramento de explicar isso como sendo algo “cool”, de estilo. O máximo – eu pago uma fortuna por um apartamento sem paredes e passo a viver em um “loft” ou então contrato um arquiteto, e pago uma outra fortuna para concluir a obra do imóvel.

O corretor também é muito entusiasmado ao nos mostrar as duas vagas privativas, a recepção com salinha dentro da garagem, além da normal, na portaria (o corretor nos explicou para que serviria essa maravilha inovadora, mas confesso que não entendi – algo relacionado a uma eventual mãe idosa ficar sentada esperando enquanto alguém estaciona ou busca o carro na vaga, uma coisa assim, meio estapafúrdia), a área de lazer do edifício – piscina fazendo curvinha, sauna que tem porta que sai diretamente na piscina, jardim coberto, academia de ginástica, e óbvio, claro, não poderia faltar – a nomenclatura mais ridícula que já inventaram nas últimas décadas – o malfadado “espaço gourmet” – para mim, a versão afrescalhada do famoso “churrasquinho na laje” – uma churrasqueira e um forninho, e olhe lá, né minha gente, sejamos realistas. Toda vez que alguém menciona esses espaços “gourmet” me dá uma vontade louca de gargalhar, é mais forte que eu. É claro que tudo isso foi mencionado, mas nenhuma palavra foi dita com relação ao condomínio que os moradores teriam que pagar. Imediatamente pensei no valor que pago atualmente no meu predinho - que tem uma vaga na garagem, porteiro, elevador e só - e me correu um frio na espinha só de imaginar por quanto ele seria multiplicado para que eu pudesse ter a oportunidade usufruir de toda aquela parafernália que na prática funciona muito pior do que o mostrado nas lindas perspectivas artísticas dos prospectos. Muito luxo, muita exclusividade... e muita breguice, né gente, sejamos francos.

A verdade é que o corretor que nos atendeu, não estava vendendo um apartamento. Ele estava vendendo um estilo de vida mentiroso, inacessível, se aproveitando dos sonhos inatingíveis das pessoas - de ter uma vida perfeita, segura, exclusiva e glamurosa. No cotidiano, dentro das paredes daquele loft seria impossível manter aquelas plantas verdes, luxuriantes, porque não haverá ventilação e iluminação suficientes; impossível manter aquele piso branquinho, limpíssimo, no entra e sai do dia a dia. O sofá maravilhoso de design que ilustra o projeto, vai dar lugar àquele confortável que a gente já tem, onde coloca os pés, para ver TV, e que normalmente fica coberto por uma mantinha que a gente tira quando tem visita. Na perspectiva da cozinha americana faltavam os pratos no escorredor, a louça suja na pia, a caneca de água em cima do fogão aberto, a garrafa térmica e a cestinha de pão em cima da mesinha... como se o apartamento estivesse planejado para ser habitado por criaturas de plástico, que não transpiram nem sofrem de queda de cabelo. O belo desenho da fachada convenientemente “apagou” os prédios velhos e as calçadas quebradas do entorno, substituindo-os por equipamentos urbanos novos e perfeitos. No lugar do terreno baldio das proximidades, um belo gramado florido, verdinho e bem aparado. E a gente lá, sonhando em entrar no apartamento que não terá chaves (controle biométrico, chiquérrimo, por impressão digital – fiquei pensando como a faxineira iria se arranjar quando eu não estivesse em casa), imaginando em como seria bom morar – aliás, morar não, flutuar – por aqueles espaços abertos, diferenciados, exclusivos, glamuorosos, chiques, silenciosos, pós modernos, suntuosos. E se sente miserável porque a nossa conta bancária não chega nem perto das centenas e centenas de milhares de reais necessários para adquirir esse sonho. Por outro lado, analisando friamente, a gente se dá conta que, na verdade, está diante mesmo de um apartamento de 60m² como tantos outros, em um bairro legal da cidade, que ainda vai levar dois anos para ficar pronto, e que vai ter problemas de acesso, segurança, barulho, falta de água, falta de luz, briga de vizinho, síndico chato, como qualquer outro de qualquer cidade.

E aí a gente lembra da casa da nossa infância, dos quartos compartilhados com os irmãos, das colchas de chenille das nossas mães, das cozinhas grandes, cheias de potes e utensílios aparentes e sempre com cheiro de alguma coisa gostosa, dos móveis confortáveis e sem design, das portas e portões que tinham que ser fechados com chaves e cadeados comuns, e no quanto éramos felizes. E pensa também na nossa casa de hoje, sempre com uma lâmpada para trocar, com as paredes sujas das patinhas do cachorro, com o armário por arrumar, com os espaços apertadinhos, o sofá velho... e o quanto é reconfortante chegar lá toda noite, ajeitar as coisas da rua em cima de uma cadeira qualquer, colocar uma roupa velha, abrir o sofá-cama (que teve que ser desmontado para entrar no quarto, lembram?) na frente da TV, fazer um café quentinho, ler uma das revistas espalhadas pela casa, deitar bem agarradinha com o amor na cama de casal simples, sob a coberta macia, no quarto de paredes normais, janela, armário embutido, quadros que nós mesmo escolhemos e que nós mesmo penduramos, sem ajuda de nenhum “personal maker” ou coisa que o valha... E como tudo é tão absolutamente perfeito desse jeito. Perfeito.

Por mais que tenha sido frustrante constatar o preço do apartamento pelo qual estávamos interessados, felizmente é bom nos darmos conta de que, para quem não vive de aparências, não tem muito o que provar para ninguém e tem uma visão minimamente realista sobre a vida e o futuro, não são necessários, ainda, centenas e centenas de milhares de reais para ser feliz. Quem sabe um mais simples, talvez até maior, um pouco mais antigo... ou então guardar para comprarmos no futuro, na cidade dos sonhos da nossa aposentadoria, né gente... quem sabe...

5 comentários:

Dedé disse...

Rose, na minha humilde opiniao (de arquiteta e interior designer) , se, alem de pagar caro, vc ainda tem que levantar as paredes internas nesse apartamento, compra logo um mais velho, daqueles mais espacosos e reforma!! Fica tao bom quanto e no fim, espaco eh o que conta!! A gente vai acumulando tanta coisa pela vida (mesmo que tentemos ao maximo fazer aquela limpeza no armario e na alma, anualmente) que no fim, o que importa mesmo eh vc ter espaco. Sei la... essa eh soh a minha opiniao... :) E tipo, odeio com todas as minhas forcas essa mentalidade dos construtores que nos obrigam a morar em lugares minusculos e pagar um absurdo pra ter esses "luxos" que a gente nem acaba usando!

Rose Foncée disse...

Dedé, eu penso exatamente como você. Na verdade é a consagração da vida por aparências - revestimentos disso e daquilo, fonte luminosa, portaria suntuosa, porteiros sendo obrigados a trabalhar de terno, e por dentro, apartamentos minúsculos, quartos em que não cabem nem uma cama com dois criados, acabamento ruim, paredes finas... não consigo me conformar com isso, não consigo. Sou muito mais os predinhos antigos mesmo...

Anônimo disse...

OLha, eu morava num condomínio bem inferior a esse. De aluguel. Quando fui comprar, pesquisei tudo que ficava longe disso, porque, na verdade é cheio de gente metida (desculpe se xinguei alguém), que acha que tem dinheiro porque comprou um apto em 30 anos, porque tem piscina, sala de ginástica, salão de festas, portaria 24h, garagem, segurança na rua. E pior, toda essa gente metida nem se cumprimenta. Acha que tem o rei na barriga porque tem tudo isso, mas no final do mês consegue pagar a prestação e deu. Não viaja, não se diverte... porque investiu tudo numa coisa que não podia pagar. Mas se acha. O pior de tudo isso são as pessoas. Porque pessoas que nem você gostam mais do cantinho simples, da casa da infância. Onde moro todo mundo se cumprimenta, conversa, sabe quem é quem... e isos me faz sentir bem, embora não tenha a piscina, a sala de ginástica, o espaço gourmet...

Andrea disse...

eu comprei a casa dos meus pais, aquela da minha infância, gastei bem a metade do que pagaria num desses imóveis que saturei de ir olhar, e com 4 x o tamanho dos apartamentos que estava vendo para comprar...

Guga disse...

#midentifico