quarta-feira, junho 29

Cheinha

- Rose deve cozinhar bem mesmo. Não conheço nenhuma cheinha que não seja boa cozinheira.

Sim, ouvi essa frase na lata, na frente de todo mundo, durante conversa sobre quitutes com alguns colegas de trabalho. Manter a dignidade numa hora dessas é difícil. Continuei falando, tentando permanecer impassível, como se não tivesse ouvido a palavra, ou como se ser chamada de cheinha fosse a coisa mais natural desse mundo para mim, mas tenho certeza que devo ter dado o sorriso mais amarelo da minha vida naquela hora.

Sei que não sou magrinha, que com o passar dos anos os quilinhos a mais foram se acumulando, tenho consciência da minha genética, mas nunca tinha sido apontada assim, como “sendo” gordinha. Eu não tinha essa consciência. Sempre havia aquela coisa de que eu “estava” gordinha em determinadas épocas, uma coisa transitória, fora do normal e reversível. Eu até poderia “estar” cheinha, mas sempre me entendi como “sendo” uma pessoa magra, normal. Desta vez foi diferente – a colega em questão está a poucos meses trabalhando comigo, não me conhecia antes. Para ela, eu “sou” uma pessoa cheinha. Foi cheinha que ela me conheceu, e assim permaneço até hoje. É engraçada essa percepção das pessoas... me lembrei de um filme que vi há muitos anos, em que uma garota linda se muda para uma nova escola e começa a namorar o rapaz mais feio, o mais rejeitado de todos. É só quando ela se apaixona justamente por ele que os outros percebem que ele havia se transformado - era uma criança feia, um adolescente desengonçado e cheio de espinhas, que com o tempo se transformou em um jovem extremamente belo. Quem o conhecia desde criança simplesmente não conseguia enxergar a mudança, ele era visto sempre como o feio desengonçado. A moça nova não o havia conhecido antes e só enxergava o bonitão. Com essa minha colega, acho que foi a mesma coisa. Ela só conheceu a cheinha, e para ela, é assim que eu sou, nunca fui diferente.

Passado o susto, o ímpeto inicial de jogar o furador de papéis na cara dela e a vontade de xingá-la usando todas as palavras de baixo calão existentes, comecei a pensar no que significa ser cheinha. Não tem jeito, eu acho. É melhor me acostumar com isso, é genético e para mudar isso, os sacrifícios e as agressões seriam grandes demais. Sou disciplinada com a academia, faço exercícios no mínimo 5 vezes por semana, tenho uma dieta saudável, não como demais, cuido da saúde... o que mais eu poderia fazer? Comer menos e ficar com fome? Me submeter a alguma intervenção cirúrgica? Abrir mão de um bom jantar e de um bom vinho algumas vezes na semana? Começar a andar toda de preto, que nem um urubu, pra disfarçar? De que adiantaria ser magrinha tendo uma vida tão restrita, tão cheia de sacrifícios assim? Não, amores, não compensa. E digo até mais, mesmo se eu achasse que compensasse, creio que não adiantaria. Os anos passam, e vão se acumulando nas nossas curvas, nas nossas marcas de expressão, nos nossos cabelos, na nossa pele. É cruel que exista toda uma cultura de não aceitação dessa realidade. É patético ver mulheres de 50 anos tentando parecer que tem 20. É triste essa negação e essa auto-rejeição que aflige as pessoas, como se só a aparência importasse.

Não. Não é legal ouvir de ninguém que a gente é uma pessoa “cheinha”. Em hipótese alguma, a sensação não é boa, e quando é na frente dos outros então, a gente tem vontade de morrer. É a mesma coisa que levar uma bofetada. Mas nesse meu caso particular, a bofetada acabou sendo benéfica. Sim, sou cheinha. Não devo mais ficar achando que a foto que me mostra bochechuda foi tirada de um ângulo ruim. Ou que a calça está apertada por causa da fatia de pizza que comi no jantar de ontem, e que dentro de uma semana ela vai estar folgada de novo. Meu metabolismo mudou, meu corpo mudou. É assim com todo mundo, não deveria ser diferente comigo. Se o preço a pagar para ter uma vida saudável, alegre, divertida, sem muito stress ou privações é ser cheinha, então, cheinha serei. E voltando à afirmação da minha colega, sabe que até é verdade mesmo... modéstia à parte, eu acho que cozinho até que bem, viu. Aliás, está na hora de ir lá cuidar do meu almoço agora. Esse friozinho dá uma fome...



7 comentários:

Fran disse...

Eu imagino o que você sentiu pq passei por uma situação semelhante. Minha chefe falou que era melhor eu nãocomer sobremesa pq eu já sou gordinha e isso num almoço de negócios. E isso pq sou estou um pouquinho acima do peso!

Adelaide disse...

rose, vc é gostosa! Eu pegava...

Fabricia Romaniv disse...

E ser chamada de gorda por toda sua infância e adolescência??? Foi isso que aconteceu comigo...Hj posso dizer que estou no peso para minha altura. E aquele povo que me chamava de gorda, todas viraram um baiacú de gordas...

Não vou me entupir de comida, mas tb não nasci pra passar vontade...

bjs

fabrícia

Rose Foncée disse...

Fran, eu esfaqueava ali mesmo, na mesa... e seria despedida por justa causa com prazer!! hehe

Adelaide, você é a gentileza em pessoa... valeu, querida!!

Rose Foncée disse...

tá certíssima, Fabrícia... certíssima!!

Lili Cheveux de Feu disse...

e eu adoro quando chegam para mim e dizem "nossa, mas você emagreceu mais ainda?".
cada pessoa podia ter o direito de esfaquear UM sem noção por semana, não?

Anônimo disse...

Engraçado que,EM GERAL (estou generalizando, tá?), é mulher que faz esse tipo de comentário "sutil", "querendo ajudar": "você deu uma engordadinha, né?", "tem certeza que vai pegar sobremesa?" e por aí vai.
Não acho que seja maldade, mas é que infelizmente a mulherada se cobra muito. É o peso, as rugas, a roupa "adequada à idade"...Nós nos policiamos e deixamos de ser felizes nos aceitando. Tudo em prol da aceitação alheia. É uma pena.