quarta-feira, abril 6

O povo, unido, jamais será vencido.



11h30

-Alô. Oi, Ariane!!
- Rose, Rose, você viu? Estão invadindo o prédio!! Protesto de um movimento social organizado, contra medidas antipopulares implantadas aqui pelo órgão!!
- Mentira, Ariane... quem te disse isso? Tá ficando louca?
- Ninguém me disse. É só olhar pela janela. Tá um bafafá lá embaixo... uma multidão cercando o prédio.
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(Cadê todo mundo? Gente, tá todo mundo olhando pela janela... e eu aqui, distraída... deixa eu ir lá ver. ... Uia! Mas não é que o prédio tá cercado de gente mesmo!!!!!! Méudéus, que multidão!!!)

11h45
- Alô,Maris? Menina, o que é que tá acontecendo, heim? Estão invadindo o prédio mesmo? Quanto tempo será que leva pra chegarem aqui no 17? Melhor ficar quieta aqui, ou corro pro terraço superior???
- Olhe, Rose, está tudo sob controle. O movimento só está fazendo uma manifestação pacífica, não vão tentar invadir, a segurança já está controlando tudo. Não há motivo para preocupação...
- Mas tá dando para sair do prédio, amiga? Preciso sair agora na hora do almoço...
- Então, Rose, embora não haja violência, a segurança aconselhou a ficarmos no prédio. Só sair se for mesmo muito necessário. Pra não aumentar o tumulto, não acirrar os ânimos, sabe como é...
- Ah, mas vou sair. Preciso mesmo.
- Tá tudo bem, amiga? Algum problema urgente pra resolver?
- Tenho que ir à academia. Já faltei ontem e hoje à noite estou combinando com Poulette de ir fazer uma visita pra ela. Ela viaja semana que vem e quero ir vê-la... só tenho agora pra ir à academia, e não vou faltar dois dias seguidos, mas de jeito nenhum!! Vou sair nem que seja na marra!

12h15
(Gente, que aglomeração! Nossa, tá difícil até pra chegar na porta de saída... que coisa!!)
- Seu guarda, pode sair normalmente? Tem perigo?
- Sra. Foncée, o protesto é pacífico. Só fique prevenida, porque todo mundo que sai está sendo vaiado e ouvindo uns palavrões... mas as pessoas estão conseguindo sair sim, sem maiores tumultos....
- Então, to indo!
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- Moça, me diga... porque vocês estão protestando?
- Ih, não sei não! Foram lá na vila, ofereceram um dinheirinho e trouxeram a gente pra cá! É só pra ficar sacudindo as bandeiras e repetindo o que eles gritam.
- Mas repetir o que quem grita? Tem algum chefe, algum responsável aqui pelo protesto?
- São essas pessoas de bonezinho branco e camiseta igual, ó... a gente só tem que prestar atenção no que elas gritam e repetir. É um dinheirinho bom no fim do dia, viu...
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- Moça, você de bonezinho branco, deixa eu perguntar... porque vocês estão protestando mesmo?
- Porque vocês aí dentro tomam medidas, criam regras que prejudicam a gente, estão matando a gente de fome. Para vocês é fácil, então a gente tá aqui pra se mostrar... para que vocês saibam que o que vocês fazem traz consequências...
- Mas como você sabe que o que está te prejudicando é o que é decidido aqui?
- Certeza a gente não tem, dona. Mas a gente sabe que não é certo. E alguma coisa a gente tem que fazer, não é?
- Mas vocês acham que esse protesto adianta?
- Acho que não... mas a gente faz assim mesmo. Pelo menos a gente se mostra, mostra que não está satisfeito. Aqui ninguém tem emprego, ninguém tem nada. A gente não tem mais nada pra perder, dona. Mais nada. Então a gente vem, né.
- Posso passar, moça? Tenho que ir pra lá.
- Pode sim, dona... passa... ninguém aqui vai atrapalhar o seu dia. Pode ir que ninguém vai agredir a senhora não. Vai com Deus.
- Obrigada. Fica com Deus você.
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Alguém acorda de manhã e porque não tem mais nada pra perder nessa vida, vai protestar na frente de um órgão público. Debaixo de chuva, correndo o risco de apanhar da polícia, e mesmo assim vai.. . porque está passando necessidade, porque provavelmente está no auge do desespero, porque é a única coisa que ainda pode ser feita, não tem mais nada. E o meu grande problema do dia é arrumar um tempo na agenda para fazer spinning...

Fui pra academia querendo chorar de vergonha. Que esse mundo é, na maioria das vezes, uma bosta, eu já sabia. Mas tem horas que eu acho que quem é uma bosta sou eu. Uma bosta.

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