quarta-feira, fevereiro 23

O rosto de um Brasil que está deixando de existir.



Essa senhora triste é Silvana Bianchi. Avó do menino Sean Goldman. Acho que todo mundo se lembra da história; resumidamente é o seguinte: Sean é filho da brasileira Bruna Bianchi com o americano David Goldman. Os dois se casaram e moravam nos EUA. Um dia, a mãe veio com o menino para algumas semanas no Brasil e resolveu não voltar mais. Mudou-se para a casa de seus pais, avós de Sean, e, daqui mesmo, providenciou o divórcio, em um intrincado processo judicial. Desde o início foi considerado que a permanência de Sean no Brasil era ilegal, já que não havia autorização do pai. Tempos depois, a mãe casou-se com um advogado de família poderosa e influente nos meios judiciais brasileiros. Engravidou e, por ironia do destino, faleceu no parto da segunda filha, Chiara, meia-irmã de Sean, portanto. A partir daí, iniciou-se uma desgastante batalha judicial entre David, o pai americano de classe média e os avós, Silvana e Raimundo, avós maternos de família influente no Brasil. Em dezembro de 2009, na véspera do natal, o STF ordenou a entrega de Sean ao pai, colocando fim à disputa, e evitando inclusive uma crise diplomática que ameaçava se formar entre Brasil e EUA.

Estes são os fatos. Mas a questão, claro, não parou por aí. Esse mês, a justiça americana impediu a visita dos avós a Sean nos Estados Unidos. Por trás da sentença, vieram à tona dezenas de fatos, versões, situações contraditórias que, creio, jamais saberemos como avaliar corretamente. Por um lado, a avó alega que vem tentando contato com o neto, mas que este é sempre negado. Chegou a ponto de dizer que o menino vive em cárcere privado, pois o pai não lhe dá acesso à internet ou a um celular. Por outro lado, foi comprovado que a negativa da visita não foi aleatória. Havia algumas condições razoáveis para a autorização da visita e os avós não as aceitaram. Psicólogos afirmam que o contato com os avós agora não seria benéfico para Sean, já que o comportamento de dona Silvana é sempre no sentido de se vitimizar, de colocar o menino contra o pai, de dizer que ainda está se empenhando em trazê-lo de volta para o Brasil. É uma enorme teia de acontecimentos, versões, bate boca, troca de acusações e leviandades.

Difícil que se chegue a alguma conclusão, mas ainda assim tenho cá minha opinião: esse rosto aí de cima, o rosto de dona Silvana Bianchi, é o rosto de um Brasil que aos poucos está deixando de existir. O rosto de um país em que a justiça existe para servir aos influentes. A indignação constantemente externada por dona Silvana é fruto do fato de que ela, simplesmente, não sabia o que era perder. Não, não importavam as leis, porque sempre houveram as brechas. O divórcio e a guarda de Sean para a mãe dele, antes de morrer, foram concedidas em tempo recorde por um juiz brasileiro; o menino vivia cercado de luxos e mimos na zona sul do Rio de Janeiro, protegido por uma teia de liminares, recursos, decisões interlocutórias, que se estendiam indefinidamente. Bruna, a mãe do menino, quando decidiu permanecer aqui, agiu como uma típica jovem da classe média alta brasileira. Fez o que quis, à revelia da lei, de forma irresponsável, se divorciou à distância (!!!), sem levar em consideração os sentimentos e a opinião de David. Seus pais, Silvana e Raimundo, agiram como típicos pais de jovens da classe média alta brasileira. Acolheram, acobertaram, contrataram advogados, pagaram as custas dos caríssimos processos e se tornaram cúmplices da pimpolha. Não são maus. Não são maquiavélicos. Agiram e agem da maneira como sempre se agiu, da maneira como sempre foi.

A revolta e a dor de dona Silvana podem até ser legítimas. É visível que há amor entre ela e o neto, e há a vontade de mantê-lo próximo à sua família. Isso é louvável. O inadmissível é, simplesmente, achar que se pode extirpar a figura do pai, fazê-lo aceitar as condições da justiça brasileira e aceitar as normas impostas por eles para ter contato com o próprio filho. A revolta e a dor de dona Silvana são, também, as de uma criança mimada, que sempre teve tudo sem questionamentos, quando, de repente, ouviu o primeiro "não" na vida. "Nãos" que aos poucos, a elite brasileira vai tendo que se acostumar a ouvir. "Nãos" que nos dão a esperança de que nossas instituições estão se fortalecendo, e que as leis e o Estado estão atuando dentro de parâmetros legais e em benefício de toda a sociedade. O ideal ainda está distante, mas os primeiros passos tem sido dados, sem dúvida. A angústia de dona Silvana é a prova disso.

David, o pai, até onde me parece, tem sido mais contido, tem se mantido afastado da imprensa, e tem genuíno carinho pelo filho. Como negar a um pai o direito de viver com o filho, se este quer tanto, se não há nada que o desabone e se a mãe já não vive mais? A verdade é que o grande perdedor nessa história toda é Sean. É a criança, como sempre. Emocionalmente manipulado, enganado, fragilizado. Vítima da falta de maturidade e do egoísmo dos adultos. Sem direito a obter uma resposta honesta e verdadeira a respeito de sua própria história. Enredado, tão novo, nessa teia de mentiras, egos, arrogâncias e vaidades.

É doloroso julgar assim Dona Silvana, porque ela deve, honestamente, ir dormir todos os dias convicta de que está fazendo o melhor pelo neto. Ela deve ter certeza de que sabe o que é melhor, e que o melhor seria mantê-lo aqui, com ela. A elite brasileira sempre foi assim, coberta de convicções. Sempre certa de tudo. E sempre errada.

20 comentários:

Adelaide disse...

Ai que susto...Eu juro que eu iria pegar um texto defendendo a atrocidade. Na verdade não...ainda bem!

Rose Foncée disse...

Minha opinião sobre esse caso, Adelaide, é bem mais contundente do que o que eu coloquei aqui. Mas, como para nós, que estamos de fora, a verdade sempre vem maquiada, enfeitada, torta, acho que não é bom uma manifestação muito incisiva não. Corremos o risco de ser injustas exatamente porque não sabemos tudo.
(mas que a minha opinião é contundente, ah isso ela é!!) beijos.

Saulo disse...

Torço muito para que isso sinalize também a derrocada do patrimonialismo e fisiologismo estatais.

Marion disse...

Rose, concordo com vc.

Esta mulher não tem razão em nada.

Ah, e eu tb não posso dizer aqui tudo o que penso, não quero ser processada...tem coisas que são impublicáveis. Mas sempre torci para o pai do Sean.

Jujuba disse...

Parabéns, Rose, pela opinião correta e pelo texto que convence qualquer um do seu ponto de vista.
Quando os adultos resolvem brigar e não tem realmente o interesse de resolver, as crianças são as que realmente sofrem.
Eu vejo isso todos os dias no meu trabalho.
Realmente não se pode privar um filho de um pai e um pai de um filho, por mais que os que queiram afastá-los sejam tão poderosos.
A elite brasileira vai ter que mudar.

Paula Teixeira disse...

O mais engraçado de um texto defendendo o "direito de um pai em viver ao lado do filo" é que ele foi escrito por uma pessoa que fez inseminação artificial e até alguns meses atrás escrevia sobre sua dúvida entre os atributos físicos dos candidatos no banco de sêmen.

Será mesmo que você tem direito de defender algo que você mesma negou ao seu filho?

Anônimo disse...

hellooooooo!!! essa é outra Rose, criatura! se liga!!!

JMJr disse...

hellooooooo!!! essa é outra Rose, criatura! se liga!!! [2]

P. S. palavra de verificação STOCA, significa?

Saulo disse...

Paula, acho que você está um pouco desatualizada no andamento do Blog. Essa Rose é outra.

Marina Franck disse...

Parabéns pelo texto. Divino!

Anônimo disse...

Bom, ela perdeu uma filha. Isso nenhum ser humano queira saber o que é. O neto é como se fosse o pedaço da filha que ficou. É muito compreensível que ela fique legitimamente triste (não só por ter recebido um "não") e lute com todas as armas pra conseguir o neto de volta. Porém, acho acertada a decisão dele ficar com o pai, afinal foi com quem ele q passou os primeiros anos de vida e não há nem o que se discutir que este tem mais direito sobre o filho dele.

Rose Foncée disse...

Paula,
A Rose Foncée mudou há algumas semanas atrás. Mas vou defender a xará: o que que tem uma coisa a ver com a outra, menina?? O mãe do Sean era casada com o pai dele, veio embora, tirou o menino do país. O cara tá vivo, e queria o contato, queria estar presente na vida do filho! Digo até que, no caso, seria muito melhor se ele fosse filho de inseminação artificial. Seria mais responsável da parte da mãe. O que eu critiquei foi simplesmente essa maneira egoísta e mimada de resolver as coisas... "ah, agora eu não quero mais ficar com ele... vou pegar o filhinho e vou embora para a casa da mamãe e fingir que o David nunca existiu". Eu me referi, também, aos sentimentos do pai. Um pai de verdade, e não um mero doador de sêmem.
Acho que a opção pela inseminação artificial pode ser uma escolha tremendamente madura. Vai ser a mãe com o filho, cada um com seus grilos, suas coisas para resolver, e resolvem juntos, de melhor maneira possível, ou da pior, em alguns casos, que seja... muito melhor do que criar uma teia de afetos, de carências, de sentimentos de posse, de vaidades, que é o que muitas vezes acontece até em histórias muito menos extremas do que a de Sean. Um monte de gente com milhões de sentimentos mal resolvidos, todos eles irresponsavelmente travestidos de "amor". Nesse caso, acho que o excesso desse "amor" é muito mais prejudicial do que a falta. Beijos, Paula! Apareça sempre.

Rose Foncée disse...

Anônimo, foi exatamente por isso que eu disse que é muito doloroso julgar essa senhora. Repito, não acho que seja má, nem maquiavélica. Apenas que confunde amor com posse. Que está sofrendo e com isso projeta aquilo que precisa em outra pessoa, achando que quem precisa é o outro. O melhor para ela, sem dúvida, é ter o neto por perto. Ela projeta e diz que o melhor para ele é tê-la por perto. Um subterfúgio, aliás, que a maioria de nós usa, todos os dias, sem sentir...

Pri Tescaro disse...

Uma avó que viveu em função dos filhos e do neto todos os anos é fácil criticar, mas um pai que só depois que a ex-mulher morreu e o padastro criava o filho veio atrás da guardar ninguém fala nada?

Também acho inseminação artificial bem maduro e pensei em fazer sim. Mas também é um ato de egoísmo, pois da mesma forma a criança será criada sem pai e a sociedade ainda não está preparada para esse novo formato de família.

Não acho que a avó está acobertando uma atitude mimada da filha. Ela está protegendo o neto, e isso é legítimo.

Eu mesma, se tivesse na condição de mãe, ia preferir meu filho sendo criado pela minha mãe e não pelo pai da criança. Quem é mãe sabe que só a nossa família é quem confiamos de verdade.

Saulo disse...

Será que o pai só veio atrás do filho depois que a mãe morreu mesmo?

Mesmo assim, o pai tem precedência legal em relação a avó. Enquanto não houver provas de que o pai não tem condições de criar o filho ou que o maltrata, a guarda tem que ser dele.

A lei é impessoal e deve ser aplicada a todos da mesma forma. Independente do status social da família em questão.

marcelo disse...

Pri,eu discordo de absolutamente tudo o que você diz! Hehehehe... é uma façanha!!
Acho que a única coisa em que eu concordo com você, em termos, é que você deve mesmo tentar uma inseminação artificial... assim não tem perigo de algum coitado ter o filho tirado de você na hora em que você achar que a sua mãe é melhor pra criança do que ele. Afinal de contas, se um homem não é bom o suficiente pra criar um filho seu, você não deveria nem pensar em manter relações sexuais com ele, certo? Desculpe a franqueza, mas você não enxerga que a avó está acobertando uma atitude mimada da filha exatamente porque o seu modo de pensar é, também, de uma pessoa mimada.
O que ela estava fazendo com o neto, tentando mantê-lo aqui a qualquer custo, deveria ter feito com a filha, antes. Devia ter segurado ela aqui e não deixado ela sair pelo mundo afora fazendo bobagem.

Lili Cheveux de Feu disse...

sabe que eu assisti "cisne negro" ontem e, poxa, tem uma relação muito forte com isso que você escreveu, rose!
[as morenas sempre polêmicas aqui na casa! adoro! rsrsrs.]

Paulinha, a grávida do FDD saiu de casa. rsrs. Essa nova só sabe cuidar de cachorro, tipo eu.

Anônimo disse...

marcelo,O que você diz é tão verdadeiro, hehehe

Brasilmagic disse...

Muito bom Rosa. Muito bom blog também. Eu acompanhei de perto esta história desde o começo de 2009, e decidi ajudar o David. Como muitos outros brasileiros que se indignaram com o caso, ajudamos através de redes sociais como Orkut, Facebook e Twitter, emails e comentários em artigos. O angulo de sua analise eh mesmo que fiz ate agora: uma senhora mimada, com um "sense of entitlement" do tamanho de um bonde e falta de bom senso e equilíbrio. Ela errou desde 2004 e agora continua errando com este circo que armou. Depois que a filha morreu poderia tentado reparar o erro de querer que a filha casasse com um rapaz dos "círculos certos" e manter um vinculo de respeito com o pai do garoto. Certamente hoje estaria podendo visitar o neto. Mas o que ela dez o pai passar, cavou a própria cova. Muito tempo ira se passar ate o pai poder confiar nesta avo. E o padrasto quem diria, já tinha uma esposa substituta de plantão..que pressa em casar hein?

Brasilmagic disse...

Pri e Saulo: Voces estão mostrando total desconhecimento do caso. O David lutou para trazer o filho de volta desde o momento que a ex ligou para ele do Rio (depois de dizer que o amava...) dizendo que nao voltava mais, nem ela nem o filho. Depois do choque inicial, ele procedeu com os tramites legais e ficou sabendo da Convenção de Haia que protege pais e mães vitimas destas pessoas imensamente egoístas. Principalmente porque nos EUA eh mais comum que o pai participe ativamente da criação dos filhos, já que nao existem empregadas "a preço de banana" e mais mulheres ganham bem, permitindo que o pai nao tenha que trabalhar 200 horas por semana..alem de uma mentalidade menos machista. Ora vejam, o senhor João Paulo nao cria a própria filha! Duvido que tenha trocado uma fralda algum dia! Pois eh, o David era este tipo de pai. Lutou por 5 anos pessoal, veio diversas vezes ao Brasil, mas foi enrolado e impedido de ter seu filho graças a corrupção no judiciario brasileiro, laços políticos da Guta e dos Lins e Silva e gente vendida como a juíza Nancy Aldrighi, Juiz Carnevale e o Marco Aurélio Mello. Uma história de corrupção, coronelismo, privilegio, anti-americanismo e elitismo. Pois eh, fica bem mais difícil acorbertar estas coisas na era da internet, Ne?