sexta-feira, julho 9

Você já se viu através do olhar da pessoa que você se tornou?

Entre o observador e o observado há um oceano de condições diferentes e estranhas entre si. Aquele que olha é soberano, dono do olhar e dono da direção e da intensidade do olhar. Aquele que é visto fica na dependência da decisão do observador de olhá-lo e da direção que este olhar vai tomar.
*
*
O olhar e o ser visto depende da forma de percepção, especialmente daquele que tem que captar e interpretar o olhar que recebeu, que normalmente não leva em conta o imprevisível e o faz com base nas suas experiências passadas.
*
*
É preciso cultivar o olhar de estranhamento que nunca parte daquilo que está posto como natural e sempre busca compreender as manifestações no seu próprio processo de manifestar-se.
*
*
Aprendemos olhando e damos retorno pelos nossos próprios olhos. E essa escolha implica necessariamente uma perda. Cada escolha implica necessariamente uma perda, inclusive o não escolher.
*
*
O comportamento sexual tem origem nas suas experiências identificatórias. Em primeiro plano, de olhar, evidentemente na primeira infância. Depois vem o ouvir e então o tocar.
*
*
O comportamento amoroso também é baseado fundamentalmente nas experiências identificatórias. Ainda na sala de parto, quando a mãe olha, com ou sem amor, para o produto do seu desejo sexual.
*
*
Uma posição tomada por motivos afetivos, não há fundamentos racionais que demovan. O que vemos, e como reconhecemos o que vemos, se revestem sempre de componentes afetivos que constituem o olhar e que constituíram aquele primeiro olhar recebido ao nascer.
*
*
A formação do "eu" depende fundamentalmente de um processo ligado à constituição da imagem do próprio corpo. Mas a primeira imagem (no espelho) como unidade global unificada é visual, totalmente visual.
*
*
E eu fico me perguntando, depois de já ter assimilado e compreendido e deglutido e tudo e tal as colocações acima, desde há muito, como se determina qual é a natureza do cidadão (pelo espelho do pai): pela relação dos pais entre si ou pela relação do pai (o olhar) com ele?
*
*
Um filho de pai que traí/traiu a mãe, pratica/praticava swing, trocou de casal e tudo e tal, sofre/sofreu com esta libertação sexual não tolerada abertamente pela sociedade? É possível esse filho perdoar a traíção que a mãe sofreu? Até quando ele vai ficar engatado no gozo e repetir o comportamento paterno?

7 comentários:

Rose Foncée disse...

Antes que me acusem de feminismo, eu me pergunto se é possível o filho perdoar o pai, por que a mãe que traiu o filho perdoa rapidinho. Na maioria dos casos. Sim, sim, tudo culpa da Jocasta.

Anônimo disse...

Seria preciso muito espaço pra tentar avaliar "tecnicamente", então, vou falar apenas do meu caso concreto, de como se formou o meu "olhar"
como se determina qual é a natureza do cidadão, pela relação dos pais entre si ou pela relação do pai com ele?

Pelos dois e mais por outras influências. No meu caso, a relação entre meus pais teve uma influência maior. Meu pai bebia, traia minha mãe, brigava dentro de casa. Então, eu não bebo e procuro namorar com caras que não gostam de beber. Além disso, ainda criança, tomei as dores da minha mãe e hoje tenho uma postura muito "correta"(não é essa a palavra, mas não achei outra melhor) diante da sexualidade. Eu não uso roupas curtas, sou virgem com 25 anos, acho que tenho um pouco de bloqueio com relação a sexo. Pois, a relação com minha mãe me influenciou muito e ela é(ou ao menos tenta passar) ser uma pessoa muito conservadora. Nunca foi carinhosa nem com os filhos, nunca vi meus pais se beijando na minha frente e sempre quis passar a idéia de que sexo é "sujo" e feio. Vive falando das filhas dos outros, que "fulana já é perdida", etc. Acho isso muito triste, é uma prisão, mas, infelizmente, ficou uma mensagem no meu inconsciente que refletiu em um bloqueio. Eu tenho um namoro estabilizado, com planos pro futuro, não pretendo fazer o pobre coitado esperar casamento nem nada(como minha mãe gostaria - ah, não existe diálogo sobre problemas com meus pais, muito menos sobre sexualidade), mas estou me soltando aos poucos e fico feliz que ele tenha tido paciência.

Um filho de pai que trai a mãe, pratica swing, etc, sofre com esta libertação sexual não tolerada abertamente pela sociedade? Agora falando mais genericamente, depende de como essa mensagem é passada pra ele. Os pais são referências importantes. Se essa libertação sexual não causa problemas dentro de casa e se os pais lidam bem com isso em relação á sociedade, eu acho que o filho pode coipar o mesmo comportamento dos pais sem sofrer... Já no exemplo dado por vc, a libertação do pai fazia a mãe sofrer, então, a acredito que a inclinação da criança seja sofrer tb.

É possível esse filho perdoar a traíção que a mãe sofreu?
Sim, é possível perdoar desde que o comportamento do pai mude para um nível aceitável pelo filho.

Até quando ele vai repetir o comportamento paterno?
No meu caso, eu repito o comportamento da minha mãe. Eu não sei até quando, pois é muito difícil mudar os registros no inconsciente, acho que, de alguma forma, já faz parte de mim. Porém, continuo tentando buscar me comportar do jeito que acho correto segundo o meu consciente, do jeito que eu acho que vou ser mais feliz.

Anônimo disse...

obs.: quem a cha sexo sujo é minha mãe, não eu (talvez eu ache insconscientemnte).

Anne disse...

Fiquei pensando muito sobre isso. Na verdade, ainda estou pensando. Porque, de verdade, não entendo como funciona essa identidade do espelho. Faço análise há 5 anos, e estou numa fase difícil prá kcte!
Sei lá. Só consigo falar de sexo, sobre sexo de forma teórica, filosófica, psicanalítica. Eu, inserida no meio, não rola. Veja bem, não é que não faça ou seja puritana, longe de mim, é como se fosse assim: todos fazem, eu faço e pronto! Não preciso falar disso ou pensar a respeito disso, nem que depois de transar com meu marido eu tenha uma crise de choro absurda. Nada aconteceu. Sério, me acho muuuuito anos 50. Cruzes.

Rose Foncée disse...

Anônimo, como não assinaste, pelo texto (casamento + mãe tradicional + namorado) presumo que sejas uma mulher e, neste caso, a nossa identificação primeira é com a mãe (o pai é objeto de desejo e aí ou a gente admira e tenta repetir a escolha no parceiro, ou a gente abomina e quer fugir disto - o que é o meu caso e parece ser o seu também).

Se me permitires, tem uma frase no texto que nada mais é do que uma constatação fática: filho é produto do desejo sexual (de duas pessoas ou de uma, no caso do estupro). E dela se pode retirar que em algum momento e em alguma medida a tua mãe tradicional desejou sexualmente e se satisfez e foi e é feliz com o resultado desse desejo satisfeito: a maternidade.

Mas o que a mim está fazendo pensar é a relação do filho homem com o pai que trai/traiu a mãe. Sem nenhum juízo valorativo moral aí embutido (quando escrevi o texto não tinha nenhuma conotação de esta mãe sofresse, ela poderia praticar swing junto com ele bem feliz). Por que a relação do filho homem com a mãe é mais umbilical e com o pai é mais competitiva. Via de regra o filho protege a mãe, tem ciúme, venera a mãe. O pai é castração (num primeiro momento bem evidente e depois vai depender de como o casal e a criança lidam com o fato de que a mãe não é exclusiva do filho).

E se continuares me permitindo te indico um livro bem massa, escrito pra leigos, do Flávio Gicovate chamado A Libertação Sexual. Tu encontras até em bancas de revista e faz a gente pensar numa série de coisas que não nos damos conta.
*
*
*
Ane, de novo pedindo licença, acho que este livro acima tu também vais gostar. O Gicovate tem vários outros títulos (O Instinto Sexual, O Instinto do Amor...) que tratam sobre o tema (sexo ou sexo x amor ou amor ou relações amorosas em geral - incluídas aí as parientais) que pra quem já está se tratando ajuda pra caramba avançar na análise.

Anônimo disse...

Obrigada,
Vou procurar os livros!
Anne

isabel alix disse...

Ai que difícil.
Para mim é fácil ver o que acontece com os outros, mas difícil ver o que acontece comigo. Perspectiva ou negação, ou ainda uma terceira coisa?
Eu sei que gosto de ser não-vista. Mesmo quando sou vista. Se pudesse escolher, seria invisível. Não para ouvir segredos, apenas para não precisar receber a interferência do olhar do outro.