“Esquecido já da ofensa de ter sido rejeitado, o cão veio consolá-lo. Pôs as patas da frente em cima do colchão, arrastou o corpo até chegar à altura da mão esquerda do dono, ali abandonada como algo inútil, inservível, e sobre ela, suavemente, pousou a cabeça. Podia tê-la lambido e tornado a lamber, como costumam fazer os cães vulgares, mas a natureza, desta vez benévola, reservara para ele uma sensibilidade tão especial que até lhe permitia inventar gestos diferentes pra expressar as sempre mesmas e únicas emoções. O violoncelista virou-se para o lado do cão, moveu e dobrou o corpo até que sua própria cabeça pôde ficar a um palmo da cabeça do animal, e assim ficaram, a olhar-se, dizendo sem necessidade de palavras, Pensando bem, não tenho idéia nenhuma de quem és, mas isso não conta, o que importa é que gostemos um do outro.”
Trecho do livro ‘As Intermitências da Morte’ de José Saramago.
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