Uma noite em Barcelona...

Javier era designer gráfico até seis meses atrás. Cansou e resolveu abrir um pequeno restaurante junto com um amigo, no Eixample – bairro classudo e pouco turístico de Barcelona. O restaurante só abre à noite, serve pratinhos simplesmente divinos e é todo bem decorado, moderninho, no maior bom gosto. Não há garçons – o próprio Javier atende a clientela, anota os pedidos, serve, prepara os dry-martinis e mojitos, e ainda acha tempo para ser encantador com a clientela, bater papo, dar dicas da cidade e aprender algumas palavras no idioma de cada um para ser simpático. O sócio comanda as panelas, mas de vez em quando dá uma saidinha da cozinha para falar um oi para todo mundo.

Javier tem um namorado – Robert – um peruano que trabalha em um sex shop no centrão de Barcelona (não é o máximo??!!), todos os dias até as 2h00 da manhã. Nesse horário, Javier pede licença a todo mundo, pega rapidinho sua moto e vai buscar o amado, que a partir dessa hora vai para o lado de trás do balcão ajudar no atendimento. A essas alturas, a cozinha já fechou, a luz já deu uma ligeira escurecida, a boa música pop já teve seu volume ligeiramente aumentado e um globo de espelhos ajuda a criar uma deliciosa atmosfera para as pessoas que ainda estão pelas mesas ou no balcão...um grupo de turistas chineses, algumas figuras locais, outro grupo grande multicultural, funcionários de estabelecimentos vizinhos que já fecharam, alguns solitários, todo mundo vai chegando com “holas” e se despedindo com “tchaus”, bebericando seus drinks e interagindo como se fossem todos velhos amigos.

E lá estava eu, amores – numa madrugada qualquer, com meu Cheri, os dois soltíssimos de manzanillas e gim-tônicas, em um barzinho de um catalão empreendedor, sofrendo para vencer a crise sem perder o bom humor , e cheio de planos para, no ano que vem, vir à Lima passar o natal com a família do namorado, que se vira dando duro em um sex shop, todas as madrugadas. E eles parecem tão felizes e tão confiantes no futuro...

Parece até Almodovar, mas é a vida mesmo, que reserva de vez em quando esses momentos assim tão sensacionais – e são justamente as pessoas, com suas peculiaridades, suas histórias, suas lutas, viagens, que enchem o mundo de energia e fazem com que tudo, de repente, se encha de sentido.