segunda-feira, maio 23
Ri-dí-cu-la!!
A temperatura devia estar na casa dos 16 graus. Bem friozinho, todo mundo de casaquinho e sapato fechado. Ela surge, passando toda faceira pela calçada, em direção ao ponto de ônibus. Uns 40 anos aparentes e não mais que 1,60 de altura. Saia de malha listradinha de branco e vermelho, curtíssima, bem acima do joelho, sapatinho baixo de verniz vermelho, blusinha preta decotada e meio vaporosa, os cabelos pretos e compridos presos em um rabo de cavalo alto, e enfeitados por uma tiara vermelha com uma grande (enoooorme, para ser mais exata) flor de tecido também vermelho – sangue... com a maior cara de feliz, aparentando não sentir nem um pingo de frio, lá ia ela, com a bolsa horrível à tiracolo, sem combinar com nada e alguns livros seguros contra o peito como se fosse uma colegial, toda coquette... detalhe – ela deve pesar pelo menos, no mínimo, uns 100 quilos. É gorda.
Impossível não notá-la e impossível não levar um susto. Todo o senso comum e tudo o que nos é repetido desde a infância vêm à mente e a vontade de rir é quase incontrolável diante de tanta inadequação... mas depois, a gente passa por ela e vai continuando com os afazeres normais, pensando na cena e na nossa reação – afinal de contas, inadequação por quê? Quem diz o que é adequado ou não para cada um de nós? Por que eu, toda correta, de calças compridas, cabelo preso, maquiagem leve, toda de cinza, desmaiada, sem graça, boring da cabeça aos pés, posso me achar no direito de me achar mais adequada que ela?
- Vista-se de acordo com sua idade e seu tipo físico – nos dizem. - Não exagere nos acessórios e na maquiagem para não parecer vulgar – pregam. E vamos levando os ensinamentos tão a sério que acabamos nos esquecendo que quando nos arrumamos somos nós quem devemos ficar felizes em frente ao espelho. Somos nós que devemos ficar bem, nos sentindo confortáveis, seguras e bonitas. É claro que as regras não existem à toa – roupas de acordo com nosso peso nos trazem conforto, não prendem os movimentos nem revelam mais do que gostaríamos a cada vez que temos que dar uma corridinha, abaixar ou nos virar. Apresentar-se de acordo com a idade e com o ambiente transmite seriedade, maturidade, evita olhares zombeteiros (como o que eu lancei à gordinha exuberante hoje cedo) - e a não ser que a gente tenha uma autoestima de ferro esse olhares podem ser muito, mas muito dolorosos. Agora, falando francamente, cada um sabe a autoestima que tem e onde o calo aperta – a vergonha alheia que normalmente a gente sente reflete as limitações e os pudores NOSSOS. É o nosso padrão estético e comportamental que a gente imagina replicado no outro, o que é uma grande bobagem. Minha amiga gordinha provavelmente é muito mais bem resolvida do que eu. A indumentária dela era horrível e bizarra para os MEUS padrões, mas gente, pensem... numa segunda feira de manhã ela sentiu vontade de colocar uma florzona vermelha no cabelo e colocou!! Quis mostrar os pernões e mostrou!! É o máximo isso, ela é livre, é feliz, o cotidiano dela é lúdico, bem diferente do da maioria de nós.
No fundo, estou agora me sentindo uma tola pelo risinho debochado que dei, quando me deparei com a gordinha exuberante hoje de manhã. Particularmente eu me sentiria péssima me apresentando daquela forma, mas isso é problema exclusivamente meu. Também não estou muito feliz com minha blusinha cinza fechada até o pescoço – acaba que estou me achando é bem ridícula, toda sóbria, parecendo um urubu – no fundo, uma personagem que não reflete bem quem eu sou. No fim das contas, se a pessoa não é ofensiva, não vai criar tumulto nem agredir ninguém, absolutamente ninguém tem nada a ver com a maneira como ela se veste. Fernando Pessoa já disse uma vez que todas as cartas de amor são ridículas, mas que ridículo mesmo é quem nunca escreveu uma carta de amor. Acho que o mesmo vale para o nosso comportamento e a nossa indumentária – tomara que nossa fofa balzaquiana siga por aí, completamente inadequada, ri-dí-cu-la, enfeitando os dias frios e cinzentos com suas pernocas de fora, suas flores no cabelo e seus sonhos de colegial tardia, que um dia talvez ela já tenha sido.
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7 comentários:
mas eu ainda acho que todo mundo tem que prezar um tiquinho pela bem da visão alheia. rsrs.
"pela bem"... é que teve muito o farid hj na novela. rsrs.
O que interessa é que ela estava com a maior cara de feliz. Fiquei fã dessa gorducha. Nós vivemos infelizes seguindo regras para agradar não sei quem.
Tem dia que baixa em mim a piriguete e eu boto uns coxões de fora. Tô nem aí... Foda-se quem achar ruim. Vá chorar em casa.
Hahahahahaha, amei, Rose. Tu é bem melhor que a outra, já sou quase fã. Bj
A outra = a outra Rose =P
Rose, eu apelidei essa flor de autoestima... ;)
Lilibeth, mas no fim das contas ela prezou, né...
Jujuba a palavra-chave é foda-se. Exatamente.
Brigada, Cris!!
Mari, apelido perfeito. Vou providenciar uma autoestima para mim. Aguardem!
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