Parei o carro longe e tive que atravessar uma passagem de pedestres subterrânea para chegar ao trabalho. Tarde ameaçando chuva, calçadas quebradas, paredes imundas, camelôs vendendo coisas ordinárias, meninos com olhos parados e sem brilho amontoados em cantos, cheiro de urina e muita, muita gente passando. Gente maltratada, gente de roupas baratas, gente humilde, muito simples. Montes e montes de gente. Fiz o caminho devagar, procurando prestar atenção na cidade mal cuidada tão diferente da minha, embora seja a mesma. Sorri para as pessoas no caminho, e na maioria das vezes recebi sorrisos de volta.
Às vezes eu faço isso. Pego um ônibus lotado na hora do rush. Uso uma passarela pública para atravessar uma rua movimentada. Puxo conversa com algum morador de rua. Compro alguma coisa em algum quiosque desses que vendem tudo muito barato, nas áreas mais populares das zonas centrais das cidades. Faço isso não para reforçar o velho discurso da nossa classe média moderninha que fica indignada e depois propaga sua revolta em altos brados para a turminha da degustação de vinhos das quintas feiras. Pelo contrário. Faço para, de vez em quando, lembrar quem eu sou de verdade e me colocar no meu devido lugar. Sou uma pessoa, um amontoado de moléculas, um acidente biogenético exatamente igual a qualquer outra pessoa nesse planeta. Faço por mim. Para não ficar tempo demais me queixando por bobagens, me sentindo infeliz porque a chuva desmanchou meu cabelo, porque a carne servida no restaurante passou do ponto, porque o trânsito estava ruim e eu levei 20 minutos ao invés dos 15 costumeiros para chegar, porque a internet saiu do ar, porque um objeto qualquer foi perdido ou quebrado. Faço para me lembrar que enquanto eu estou indignada porque alguém colocou um postinho com saquinhos para cocô de cachorro no meu caminho arborizado e limpo, centenas de pessoas estão espremidas dentro de um ônibus sujo, ainda longe, longe de casa. Que enquanto eu esbravejo por ter que ir à farmácia na esquina comprar uma aspirina que acabou, alguém está em alguma fila, esperando algum milagre para conseguir algum remédio para alguma doença muito séria, e essa pessoa daria pulos de felicidade se alguém dissesse que ela pode ir buscar o remédio em alguma farmácia que ficasse a 1000 quilômetros de distância. Faço para parar de vez em quando e diferenciar o que é necessidade do que é vontade. Para me sentir feliz não pelo que tenho, mas pela consciência de fazer parte, de ser pequena, de que não se pode parar. Eu consigo sentir o mundo girando nessas horas. Como se eu o estivesse impulsionando com os meus pés, e exatamente por isso, não existisse a menor possibilidade de parar de caminhar.
Estranhamente, não é nos momentos de grandes conquistas, aquisições ou tranquilidade que eu me sinto mais feliz. São as horas em que eu me misturo, em que eu corro, em que eu me sinto igual a todo mundo, integrada, em que eu ando por esses lugares que as pessoas se acostumaram a chamar de sujos e perigosos, que me trazem maior plenitude. Sou feliz quando consigo fazer parte desse turbilhão de gente de sonhos modestos, hábitos simples, maus modos e sorrisos fáceis. Quando sou só mais uma no turbilhão da cidade. Uma mulher comum. Uma qualquer.
Às vezes eu faço isso. Pego um ônibus lotado na hora do rush. Uso uma passarela pública para atravessar uma rua movimentada. Puxo conversa com algum morador de rua. Compro alguma coisa em algum quiosque desses que vendem tudo muito barato, nas áreas mais populares das zonas centrais das cidades. Faço isso não para reforçar o velho discurso da nossa classe média moderninha que fica indignada e depois propaga sua revolta em altos brados para a turminha da degustação de vinhos das quintas feiras. Pelo contrário. Faço para, de vez em quando, lembrar quem eu sou de verdade e me colocar no meu devido lugar. Sou uma pessoa, um amontoado de moléculas, um acidente biogenético exatamente igual a qualquer outra pessoa nesse planeta. Faço por mim. Para não ficar tempo demais me queixando por bobagens, me sentindo infeliz porque a chuva desmanchou meu cabelo, porque a carne servida no restaurante passou do ponto, porque o trânsito estava ruim e eu levei 20 minutos ao invés dos 15 costumeiros para chegar, porque a internet saiu do ar, porque um objeto qualquer foi perdido ou quebrado. Faço para me lembrar que enquanto eu estou indignada porque alguém colocou um postinho com saquinhos para cocô de cachorro no meu caminho arborizado e limpo, centenas de pessoas estão espremidas dentro de um ônibus sujo, ainda longe, longe de casa. Que enquanto eu esbravejo por ter que ir à farmácia na esquina comprar uma aspirina que acabou, alguém está em alguma fila, esperando algum milagre para conseguir algum remédio para alguma doença muito séria, e essa pessoa daria pulos de felicidade se alguém dissesse que ela pode ir buscar o remédio em alguma farmácia que ficasse a 1000 quilômetros de distância. Faço para parar de vez em quando e diferenciar o que é necessidade do que é vontade. Para me sentir feliz não pelo que tenho, mas pela consciência de fazer parte, de ser pequena, de que não se pode parar. Eu consigo sentir o mundo girando nessas horas. Como se eu o estivesse impulsionando com os meus pés, e exatamente por isso, não existisse a menor possibilidade de parar de caminhar.
Estranhamente, não é nos momentos de grandes conquistas, aquisições ou tranquilidade que eu me sinto mais feliz. São as horas em que eu me misturo, em que eu corro, em que eu me sinto igual a todo mundo, integrada, em que eu ando por esses lugares que as pessoas se acostumaram a chamar de sujos e perigosos, que me trazem maior plenitude. Sou feliz quando consigo fazer parte desse turbilhão de gente de sonhos modestos, hábitos simples, maus modos e sorrisos fáceis. Quando sou só mais uma no turbilhão da cidade. Uma mulher comum. Uma qualquer.
4 comentários:
Esso e um exercício q poucas pessoas conseguem praticar.
Conseguir uma visão clara e ampla de quem realmente somos e ser uma pessoa a partir disso é uma dádiva...
Te entendo. É que tem hora que ser alguém cansa. (ou será que cansa simplesmente ser???)
Bjos, Katyblind.
Ser cansa, Katyhoney... ser cansa...
em verdade digo mais...estamos acostumados ao normal que é na verdade uma síntese da mesmice...parabéns pelo texto: melhor resumido o que devemos ser, impossível.
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